Nutrição de peixes

23/07/2014 15:18

CARÊNCIA DE PROTEÍNA NA AQUICULTURA:
Até poucas décadas atrás, a forma mais comum de aquicultura era o cultivo extensivo, sem a adição de alimento suplementar, em que apenas a produtividade natural sustentava uma baixa densidade de indivíduos, resultando numa baixa eficiência de produção.

Em anos recentes, o advento de técnicas modernas de aquiculutra estimulou a progressiva trasnformação dos cultivos extensivos em cultivos semi-intensivos ou intensivos, numa evolução essencial para garantir a viabilização econômica dos cultivos.

Intensificar um cultivo implica em aumentar a quantidade de biomassa de animais produzidos por área, à custa do fornecimento constante de alimento nutricionalmente adequado. Uma vez que tal suprimento de alimento perfaz de 30 a 70% do total dos custos operacionais da aquicultura intensiva (KAUSHIK, 1989), a alimentação se tornou o fator unitário mais importante para a administração dos cultivos modernos.

Dentre os peixes cultivados, 88% da produção é composta por peixes de hábitos onívoros e/ou herbívoros, que consomem anualmente 73 mil toneladas (ton) de farinha de peixe na ração. Já os peixes carnívoros constituem 12% da produção aquícola, porém, utilizam 660 mil ton de farinha de peixe, ou seja, cerca de 90% da farinha de peixe utilizada na aquiculutra mundial é destinada às espécies carnívoras.

O cultivo intensivo das espécies carnívoras é economicamente atraente porque as espécies selecionadas possuem elevado valor comercial (FAO, 1994), mesmo dependendo do uso de farinha de peixe e de outros recursos pesqueiros como fonte básica de proteína e de lipídeo detário (TACON, 1994).

Em todo o mundo, a farinha de peixe é a fonte protéica de origem animal mais abundante para a manufatura de ração para animais dométicos. É considerada como a fonte nutricional ideal para suprir as necessidades protéicas e lipídicas dos peixes carnívoros, apesar de ser um ingrediente relativamente caro e com fornecimento limitado. Em 1990, cerca de 86% da farinha de peixe produzida no mundo foi utilizada na composição de rações para aves, suínos e ruminantes. Os 14% restantes foram das rações para animais aquáticos (ANÔNIMO, 1993).

A elaboração de ração para aquicultura depende atualmente de um grande aporte de farinha de peixe. Com a progressiva escassez desse insumo no mercado mundial, a produção de uma ração comercial de qualidade dependerá, em futuro breve, da elaboração de um substituto adequado para a farinha de peixe, tanto no aspecto nutricional como de custo.

Apesar da grande variedade de ingredientes já testados no mundo como substitutos da farinha de peixe na ração para espécies aquáticas carnívoras, poucos ingredientes possuem algum potencial. A maior parte dos produtos testados apresenta limitações quanto à disponibilidade em larga escala, valor nutricional e preço.

O sucesso econômico e nutricional de um substituto depende também de fatores como:

1) tecnologia de processamento adotada para inativar e/ou remover os fatores antinutricionais endógenos, disponibilidade e digestibilidade do nutriente,
2) formulação adequada da ração,
3) enzimas dietárias
4) minerais e amino ácidos essenciais - cristalizados ou conjugados e
5) estimuladores de apetite para garantir ao balanceamento da ração e a sua palatabilidade, otimizando ainda, a ingestão, digestão e absorção dos alimentos.
TACON (1994) avalia que a farinha de peixe permanecerá ainda como fonte protéica principal para as rações de peixes carnívoros até o final da década. Entretanto, acredita também que o desenvolvimento de outras fontes protéicas, como a proteína de seres unicelulares ("single-cell protein") e a proteína vegetal, propiciarão o melhor aproveitamento dessa proteínas alternativas, reduzindo a dependência de farinha de peixe para metade dos teores atualmente utilizados nas rações. Este processo de substituição é geralmente lento, mas fatores como o aumento do preço da farinha de peixe, saturação ou declínio do valor de mercado das espécies comercializadas, ou a legislação governamental limitando o conteúdo de fósforo (P) ou farinha de peixe das rações aquáticas, poderiam acelerar este processo.

A ELEVADA NECESSIDADE PROTÉICA DOS PEIXES

Como animais pecilotérmicos, os peixes possuem baixa necessidade energética, por despender menos energia que os demais animais domésticos para regular e manter a temperatura do corpo. Gastam menos energia para locomoção na água que os animais terrestres, e excretam os resíduos nitrogenados na forma de amônia no lugar de uréia ou ácido úrico, economizando no catabolismo das proteínas. O celacanto (Latimeria) e os elasmobrânchios excretam uréia com produto final do catabolismo protéico (ureotélicos), porém os demais teleósteos são basicamente amonotélicos. Apesar da sua toxicidade, a amônia apresenta vantagens em relação ao ácido úrico ou uréia principalmente porque o peixe vive na água, e

1) as substâncias de baixo peso molecular e os lipídeos de alta solubilidade, permitem que a amônia não-ionizada se difunda facilmente através da brânquia;

2) a amônia ionizada é trocada por sódio nas brânquias para a manutenção da alcalinidade relativa e balanço iônico do fluído interno;

3) conversão da amônia em uréia ou ácido úrico implica em gasto de energia. A energia para manutenção (atividades voluntárias e metabolismo basal) é também menor nos peixes que nos animais terrestres. Por exemplo, a carpa (Cyprinus carpio) e o peixe dourado (Carassius auratus) excretam de 6 a 10 vezes mais nitrogênio via brânquias do que através dos rins. Do total da excreção nitrogenada, 90% é na forma de amônia, e apenas 10% consiste em uréia.

Os animais aquáticos possuem necessidades protéicas mais elevadas em relação às dos animais domésticos tradicionais. Por exemplo, o bagre onívoro catfish Ictalurus punctatus tem uma necessidade protéica de 35% de proteína bruta, enquanto o valor decresce para 18%, 16% e 11% para aves, suínos e ruminantes, respectivamente.

O peixe pode ser considerado um "gourmet" exigente, por solicitar um nível dietário elevado, e exigir uma composição de aminoácidos específica para promover o crescimento ótimo, sendo pouco flexível à modificação do tipo de alimento, quando comparado aos demais animais domésticos.

Por exemplo, a grande maioria das espécies de peixes selecionadas para o cultivo são carnívoras, com pouca habilidade para utilizar carboidratos como fonte energética, e necessitando receber proteína de origem animal de qualidade, enquanto que os animais dométicos ruminantes podem ser supridos até com nitrogênio não-protéico como a uréia e o biureto.

O nível ótimo de proteína para cada espécie de peixe depende do balanço energético, da composição de aminoácidos, da digestibilidade da proteína, e da quantidade de fonte da energia não-protéica da ração. O excesso de energia na dieta pode limitar o consumo de alimento, já que os peixes se alimentam para suprir suas necessidades energéticas.

O nível de proteína dietária necessário para garantir o crescimento adequado das trutas varia de 35 a 50%, e esta variação depende de: tamanho do peixe, temperatura da água, manejo alimentar, quantidade de energia não-protéica, e principalmente da qualidade da proteína.

A necessidade protéica dietária geralmente decresce com o aumento de tamanho e com a idade. Por exemplo, a truta requer cerca de 50% de proteína durante a fase inicial de alimentação, diminuindo para 40% após 6 a 8 semanas, com uma redução posterior para 35% na fase adulta (NRC, 1994).

O valor nutricional da proteína, também designado de qualidade da proteína, é baseado na quantidade de aminoácidos presentes na fonte protéica, particularmente o contéudo dos aminoácidos essenciais e sua disponibilidade biológica. Uma proteína com uma composição de aminoácidos bastante semelhante às necessidades de aminoácidos da espécie cultivada é descrita como sendo de alto valor nutritivo. Uma proteína deficiente em um ou mais aminoácidos essenciais é considerada de baixo valor nutricional; caso o aminoácido esteja presente em nível inferior ao necessário, ela é denominada de proteína aminoácido limitante.

Os peixes necessitam de uma mistura balanceada de aminoácidos essenciais e não-essenciais. Os aminoácidos essenciais são aqueles imprescindíveis para o bom crescimento e que os peixes não são capazes de sintetizar em quantidade suficiente para suprir suas necessidades, precisando recebê-los através da alimentação. São eles: Arginina, histidina, isoleucina, leucina, lisina, metionina, fenilalanina, treonina, triptofano e valina.

Ao elaborar uma ração, devemos levar em consideração também, não somente quais aminoácidos, mas também satisfazer as proporções destes aminoácidos nesta ração.

Durante a digestão, a proteína ingerida é hidrolizada liberando peptídeos e aminoácidos livres, os quais são absorvidos no intestino e distribuídos através da corrente sanguínea para os diferentes órgãos e tecidos. Estes aminoácidos são usados pelos vários tecidos para sintetizar novas proteínas. A ingestão regular de proteína ou aminoácidos é necessária porque os aminoácidos são utilizados continuamente pelo peixe, ou para construir novas proteínas ( como durante o crescimento ou reprodução) ou para substituir as proteínas existentes (manutenção). A suplementação inadequada de proteína na ração resulta na redução ou parada do crescimento e a perda de peso devido à utilização da proteína dos tecidos menos vitais para manter a função dos tecidos vitais. Por outro lado, se ocorre uma adição excessiva de proteína na dieta, somente uma parte será usada para a construção de novas proteínas, e o restante será convertido em energia para ser armazenada.

A exigência de um elevado teor de proteína na ração pode ser vista com vantagem, no sentido de que os peixes seriam capazes de transformar um menor volume de alimento em mais carne, sendo possível obter uma taxa de conversão de até 1:1 com ração comercial, ou seja, 1kg de ração comercial (teor de umidade de 10%) propicia o aumento de 1 kg de peixe vivo (teor de umidade de 80%). Em contrapartida, a eficiência de utilização das várias fontes de proteína se torna mais crítica para os peixes do que para os animais domésticos tradicionais.

A SOJA COMO FONTE PROTÉICA

Dentre as proteínas de origem vegetal a soja, Glycine max (L), é considerada a nível global como a opção com maior potencial para substituir a farinha de peixe na formulação das rações comerciais, tanto para peixes de água doce quanto para marinhos.

O farelo de soja possui um perfil de aminoácidos que contém lisina e metionina em maiores quantidades que em outros vegetais; é rico em lipídeos, possuindo a quase totalidade dos ácidos graxos necessários para os peixes de água doce. A proteína desse vegetal é especial por atender os requisitos nutricionais básicos de

1) digestibilidade elevada e
2) balanço adequado de aminoácidos essenciais, sendo em alguns casos, considerada análoga à da carne e leite, mesmo para a nutrição humana.
No aspecto de disponibilidade, o Brasil está em posição vantajosa em relação a outros países, por ser o segundo produtor mundial de soja, com produção de 25 milhões de toneladas na safra 1994/5.
Quanto à distribuição da produção, essa planta asiática - originalmente de clima temperado - é atualmente cultivada em todas as regiões brasileiras, graças à seleção genética realizada no país.
A soja seria, portanto, a única fonte protéica vegetal a cumprir todos os requisitos comerciais de disponibilidade em larga escala, de preço e de qualidade nutricional adequada.