Manejo nutricional e alimentar para peixes em tanque-rede: (noções gerais)

23/07/2014 15:07

  Na piscicultura intensiva, os gastos com a alimentação dos peixes correspondem a 50 a 70% do custo de produção, dependendo do sistema de cultivo empregado, da escala de produção, da produtividade alcançada, dos preços dos outros insumos de produção, dentre outros fatores. Este custo pode ser minimizado com a adoção de um manejo alimentar adequado e uso de rações com qualidade compatível com as diferentes fases de desenvolvimento e hábito alimentar do peixe, bem como o sistema de cultivo utilizado. Essa prática pode, entre outras coisas:

  • maximizar o crescimento dos peixes e o número de safras anuais;

  • melhorar a eficiência alimentar, reduzindo os custos de produção;

  • melhorar a tolerância dos peixes ao manuseio, transporte vivo, doenças e parasitoses;

  • minimizar o impacto poluente dos efluentes da piscicultura intensiva, aumentando a produtividade dos sistemas de produção;

  • incrementar o desempenho reprodutivo e qualidade das pós-larvas e alevinos e dessa forma, otimizar a produção e melhorar as receitas da piscicultura. 

      Para alcançarmos esses objetivos, é importante estarmos atentos a alguns fatores como o hábito alimentar dos peixes que serão cultivados, requerimento nutricional, qualidade das rações e manejo alimentar de acordo com o sistema de criação a ser usado.

Hábito Alimentar

     De forma geral os peixes podem ser considerados onívoros me relação às suas preferências alimentares, tanto em condições naturais como em cultivo. No entanto, na maioria das vezes eles são mais eficientes no aproveitamento de um determinado tipo de alimento e por isso são classificados em diferentes grupos:

  1. Herbívoros e frugívoros: fazem parte deste grupo, peixes que têm preferência por alimentos de origem vegetal, ricos em fibra e de baixo valor energético. Os herbívoros se alimentam de plantas e algas, os frugívoros de frutas e sementes. Ex.: carpa capim, tilápia rendali e piapara (herbívoros), pacu e tambaqui (frugívoros).

  2. Planctófagos: fazem parte deste grupo peixes que têm preferência por plâncton (comunidade aquática constituída de algas unicelulares - fitoplâncton e por organismos animais - zooplâncton). Ex.: tilápia do Nilo, carpa prateada e carpa cabeça grande.

  3. Iliófagos / Detritivos: fazem parte deste grupo peixes que se alimentam de organismos bentônicos (organismos que vivem no fundo do tanque). Ex.: carpa comum, piauçu, cascudos e curimbatá.

  4. Onívoros: são peixes que ingerem todo tipo de alimento. Ex.: carpa comum, pacu, tambacu, matrinxã.

  5. Carnívoros: são peixes que se alimentam de animais de maior porte, tais como, insetos, crustáceos, peixes menores, anfíbios e cobras. Ex.: pintado, tucunarés, dourado, traíras, surubins, black-bass, truta arco-íris, pirarara, pirarucu.

Tabela 1 - Características alimentares de algumas das principais espécies cultivadas.

Espécies

Hábito alimentar

Características alimentares no desenvolvimento

Carpa capim

Herbívora / onívora

PL: alim.nat; Juv/Ad: macrófitas, alg.filam., ração

Carpa comum

Onívora

PL: alim.nat., ração; Juv/Ad: ração

Carpa cabeça grande

Planctófaga / onívora

PL: alim.nat; Juv/Ad: zoop., ração

Carpa prateada

Planctófaga / onívora

PL: alim.nat; Juv/Ad: fitop, zoop, ração

Tilápia

Onívora

PL/Juv/Ad: ração, fitop, zoop, outros alim.nat.

Truta arco-íris

Carnívora / onívora

Aceita ração em todas as fases de desenvolvimento

Curimbatá

Detritívora / onívora

PL: alim.nat; Juv/Ad: ração

Dourado

Carnívora

PL: alim.nat-canib; Juv/Ad: px, crust, ins; cond.ração

Matrinxã

Onívora

PL: alim.nat-canib; Juv/Ad: ração

Pacu

Onívora

PL: alim.nat; Juv/Ad: ração

Surubins

Carnívora

PL: alim.nat-canib; Juv/Ad: px, crust, ins; cond.ração

Piraputanga

Onívora

PL: alim.nat-canib; Juv/Ad: ração

Tambaqui

Frugívora / onívora

PL: alim.nat; Juv/Ad: ração, frutos, sementes

Tambacu

Onívora

PL: alim.nat; Juv/Ad: ração

Tucunarés

Onívora

PL: alim.nat-canib; Juv/Ad: px, crust, ins; cond.ração

 

PL: pós-larvas e micro-alevinos; Juv/Ad: juvenis e adultos; alim.nat: alimento natural (plâncton, larvas de insetos; larvas e ovos de moluscos, etc), fitop-zoop: fito e zooplâncton; canib: canibalismo pode acontecer; px, crust, ins: peixes menores, crustáceos e insetos diversos; macrófitas: plantas aquáticas tenras; alg.filam: algas filamentosas; ração: aceitam rações e outros tipos de alimentos preparados; cond.ração: aceitam ração após um período de condicionamento alimentar

Exigências Nutricionais

        As exigências nutricionais dos peixes variam de acordo com a espécie, fase de desenvolvimento e sistema de criação.

       Em tanques-rede a disponibilidade de alimento natural é limitada e os peixes estão submetidos a uma maior pressão de produção e estresse. Portanto, é recomendado que as rações sejam mais concentradas em proteínas (32 a 40%), energia digestível (2.900 a 3.200 kcal ED/kg) e recebam um enriquecimento mineral e vitamínico ainda maior. Neste sistema portanto, a ração deve ser completa, ou seja, deve atender as demandas nutricionais dos peixes em suas diferentes fases de desenvolvimento (alevinagem, crescimento, engorda) em função do sistema de produção e nível de manejo empregado.

      A proteína corresponde ao nutriente de máxima importância na dieta e sua exigência é definida em função da quantidade mínima de aminoácidos para obtenção do máximo crescimento (NRC, 1983).

      Os peixes exigem maiores porcentagens de proteína na dieta que os outros animais. A concentração de proteína em rações de peixe varia entre 24 e 50%, enquanto que em rações para frango há uma variação entre 18 a 23% e em rações de suínos entre 14 e 18%. Esta maior exigência de proteína na dieta é explicada pelo fato dos peixes demandarem menor consumo de energia.

     Tabela 2 - Exigências de proteína de algumas espécies de peixe.

Espécie de peixe

Exigência PB%

Tilápia do Nilo

28-32

Truta arco-íris

40-45

Carpa comum

28-32

Pacu

24-28

Tambaqui

17-30

Matrinxã

28-32

 

     Os peixes não necessitam de calorias para manter sua temperatura corporal já que são pecilotérmicos, mas precisam de energia para realizar atividade muscular (nadar), formar novos tecidos, manter equilíbrio osmótico (reter ou excretar água, movimentar moléculas contra um gradiente de concentração) e outras reações necessárias para manutenção da vida e produção. O fato de não ter que despender calorias para controlar a temperatura do próprio corpo e gastar pouca energia para se locomover na água faz com que os peixes tenham uma necessidade de ingestão calórica muito menor que os animais de sangue quente (ver tabela 3). É comum expressarmos energia de rações de peixes como Energia Digestível na unidade de kcal/kg.

Classes de animais

Kcal/kg

Aves

3.100-3.250

Suínos

3.200-3.300

Peixes

2.600-2.900

 

     Os peixes regulam o consumo de ração pela ingestão energética. Uma ração deficiente em energia provocará um consumo de alimento maior e em casos graves, a proteína será convertida em energia para manutenção antes de ser utilizada para crescimento. Por outro lado, uma ração com excesso de energia limita a ingestão de alimento e consequentemente limita a ingestão de proteína (aminoácidos), vitaminas e minerais. Excesso de energia e/ou proteína pode levar a grande acúmulo de gordura corporal, o que é indesejável.

     A relação energia:proteína ideal em rações de peixe (6 a 8 kcal/g proteína) é menor que em rações de outros monogástricos (14 a 20 kcal/g proteína para aves e suínos). No peixe, assim como em outros monogástricos esta relação aumenta proporcionalmente ao seu tamanho.

     Quanto às vitaminas, os peixes devem receber através da dieta uma suplementação de vitaminas hidro e lipossolúveis para atender suas necessidades diárias. As vitaminas adicionadas à ração são: A, D, E, K, C, Colina, Niacina, Tiamina, Riboflavina, Pirodoxina, Cianocobalina, Ác. Pantotênico, Ác. Fólico, Biotina e Inositol.

     A vitamina C é particularmente importante na nutrição de peixes criados em tanque-rede, pois participa como cofator de várias reações, é precursora do colágeno e combate o estresse devido ao confinamento dos peixes nesse sistema.

     Já os minerais têm importante papel como osmorreguladores e na manutenção da atividade metabólica dos peixes. Os peixes podem absorver parte de sua exigência nutricional da própria água onde vivem, isto faz com que seja difícil sermos precisos na determinação de suas necessidades minerais. Os minerais exigidos são: Cálcio, Fósforo, Magnésio, Sódio, Potássio, Ferro, Cobre, Cobalto, Manganês, Iodo, Zinco e Selênio.

Qualidade das rações.

       A qualidade das rações vem melhorando a cada ano, mas os problema de origem nutricional comuns no passado ainda são freqüentes em muitas pisciculturas. Com a recente intensificação do cultivo de peixes no Brasil, utilizando tanques-rede, houve um aumento na incidência de desordens nutricionais devido ao inadequado enriquecimento vitamínico e mineral das rações. Este sistema intensivo demanda o uso de rações nutricionalmente completas, com enriquecimentos vitamínicos e minerais. A maioria das rações de peixes disponíveis no Brasil são adequadas apenas para cultivo de alguns peixes em tanques de terra com disponibilidade de alimento natural e biomassa raramente acima de 6.000 kg/ha, o uso de rações inadequadas pode trazer prejuízos à criação em tanque-rede devido às deficiências nutricionais.

      Deficiências nutricionais prejudicam o crescimento, a eficiência alimentar e o sucesso reprodutivo dos peixes e além disso, podem depreciar a aparência de alevinos e peixes adultos. O inadequado manejo nutricional prejudica a saúde dos peixes, aumenta a incidência de doenças e a mortalidade, levando a um excessivo uso de medicamentos, onerando o custo de produção sem proporcionar efetiva correção do problema.

 Manejo alimentar.

       Algumas considerações podem auxiliar o produtor para a maximização do fornecimento de ração para os peixes em tanque-rede:

  • utilizar rações de boa procedência, indicadas para o sistema intensivo em tanque-rede, de acordo com a fase de desenvolvimento dos peixes; para se evitar perdas durante a distribuição, e para se ter controle sobre a quantidade de ração consumida, é mais indicado a utilização de rações extrusadas a tampa-comedouro para tanques-rede. Rações extrusadas de alta qualidade são mais digestíveis, portanto menos poluentes se comparadas às rações peletizadas. Isso possibilita um aumento na produtividade com um menor custo ambiental. Embora um pouco mais caros, os péletes extrusados ganharam a preferência de muitos piscicultores por simplificarem o manejo da alimentação e permitirem a obtenção de maior produtividade e lucro;

  • a utilização dos comedouros também auxilia na determinação da qualidade total de ração fornecida, podendo ser utilizada uma correção diária através da observação da ocorrência ou não de sobras de ração dentro dos tanques-rede;

  • a quantidade de ração a ser oferecida por dia também é de fundamental importância, pois o excesso pode ser tão prejudicial quanto à falta. A ingestão pode ser calculada com base na porcentagem de biomassa dos tanques-rede, que pode variar de 2 a 10%, conforme o tamanho dos peixes, temperatura, etc;

  • no que se refere à frequência de alimentação, é importante ressaltar que para um melhor aproveitamento, a quantidade de ração a ser oferecida deve ser distribuída em no mínimo duas alimentações diárias , podendo chegar até 6 vezes ao dia;

       O produtor também deve estar atento ao manejo alimentar, ajustando o arraçoamento de acordo com a resposta dos peixes e com suas alterações na qualidade da água. Além disso, deve-se preocupar com a estocagem adequada das rações na fazenda e com o registro dos dados de produção e desempenho dos peixes. Desse modo, ele poderá fazer o controle sobre os custos com alimentação e maximizar sua produção, tornando a criação de peixes em tanque-rede viável e altamente lucrativa.